Na Palma Da Mão

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Na Palma da Mão
Sinopse
Victória tem em mãos a vida de pessoas, muitas da qual ela nem conhece. Não se sabe o significado disto, e muito menos porque é a escolhida para isso. No início ela não sabia o  que significava a aparição dos nomes, mas hoje descobriu que pode salvar as vidas. O problema é que há pessoas que não irão gostar nada disso. Conseguirá Vick se livrar do  destino?



Capítulo 1

No Passado... 
- Vem Vick, temos uma surpresa para você.
O mês de agosto demorou tanto para chegar. Heitor e Estela já não aguentavam mais ter que dizer a sua filha Victória que os latidos do cachorro eram trovões - uma mentira bem difícil. Todas as vezes que Vick saia ao parque ela chorava e fazia birras porque queria um cachorro de estimação, mas seus pais não podiam adotar um animalzinho sem espaço suficiente dentro de casa.
Era o sexto aniversário de Vick, e foi exatamente quando seus pais conseguiram achar a casa ideal e assim atender o desejo da pequena. Lá estava ela correndo ao vento com seus cabelos pretos voando e os olhos azuis brilhando pelo novo quintal.
Estela com a ajuda de sua mãe fez um bolo para celebrar entre os três. Aquele seria o primeiro aniversário dela na nova casa e para seus pais tinha que ser algo que ela realmente se sentisse em casa.
Victória foi correndo até seus pais com os olhos marejados. Ela segurava o pulso e falava algumas palavras inteligíveis.
- Vick querida - disse Estela assim que a menina se agarrou nas pernas dela - por que está chorando?
- Mamãe, minha mão mamãe.
- Não tem nada aqui Vick - Heitor se abaixou e olhou a mão dela e deu um beijinho carinhoso.
Mas isso não tiraria aquilo da mão dela. Para Vick tinha um nome na palma de sua mão, seus pais não conseguiam ver, Billy estava escrito. O nome ardia como se tivesse sigo escrito com fogo.
- Temos uma surpresa para você - disse seu pai com entusiasmos.
- Espera um pouquinho papai, tenho que ir ao banheiro.
Vick saiu correndo com os pés sujos de lama dentro da casa em direção ao banheiro e ligou a torneira no máximo. Jogou ali uma boa quantidade de sabão líquido e esfregou. O nome Billy sumiu junto com a sua dor. Foi como um corte sendo costurado.
Ao abrir a porta do banheiro seus pais esperavam com um enorme sorriso no rosto, sua mãe até mesmo chorava com o bolo na mão e Heitor com uma caixinha azul entre as mãos.
- Vick este é o Billy seu novo mascote.
A semelhança de nomes nem foi notada, ela ficou tão contente por finalmente ter seu cachorrinho. Que pulou com seus pais pela casa cantando e eles no mesmo embalo.
Três dias depois Billy morreu nos braços dela.


Agora...

- Heitor, hoje a Victória completa dezessete anos. Hoje faz onze anos que o Billy morreu nos braços dela. E hoje faz três dias que perdi nossa pequena Heloísa - Estela chorava e falava entre soluços - não aguentarei comemorar esse aniversário, não com essas lembranças.
Vick ouvia sua mão por detrás da porta. Desde pequena ela descobriu um modo de ouvi-los sem fazer muito barulho, se fosse descoberta era castigo na certa.
As palavras sinceras de sua mãe lhe machucavam. Ela sabia que era a verdadeira culpada por todas as mortes que a mãe falava e algumas mais. Não sabia porque, mas isso sempre acontecia. Aparecia o nome e a dor junto e após três dias morria alguém.
Desde a morte de Billy ela nunca mais foi a mesma. Começou a usar roupas mais pretas que seus cabelos, seus olhos eram também carregados de preto que mal se via o azul. Todos na escola olhavam  com curiosidade, outros riam, mas a maioria tinha medo.
Na pequena cidade ela era mais mal falada do que o prefeito que roubava a todos. Ela tinha um péssimo histórico, e quem sentia o peso eram seus pais.
Mas ela não via outro modo, a não ser manter seu luto a vida inteira pelas vidas que tirou. Antes fosse somente seu cachorro, mas também foram insetos, pessoas... Até mesmo a cantora da cidade que tinha acabado de fazer sucesso estivera um lugar na mão de Vick. Mas nada, nem ninguém magoaram mais que sua irmã Heloísa.
Heloísa fora esperada por nove meses. Meses de felicidade, meses onde Heitor trabalhou muito para que o quartinho fosse ideal para ela. Roupas, sapatos, carrinho e até mesmo as cadeirinhas para o carro. A pequena nem mesmo foi para casa, morreu no hospital três dias exatos após seu nascimento.
Vick não saia porque ela, porque os nomes lhe surgiam na palma da mão e depois o dono do mesmo morria após três dias.
Ela achava que era apenas coincidência, mas agora que havia perdido a própria irmã sabia que precisava descobrir o significado de tudo aquilo, como poderia salvar aquelas pessoas.

Capítulo 2

Victória se levantou do chão e fora para o seu quarto tão cheia de si, tão cheia de motivação. Ela Tinha em algum lugar o caderno com todos os nomes que apareceram em sua mão ao longo dos anos. Mas onde estava esse caderno agora que ela precisava?
- Vick? - era seu pai batendo na porta.
- Entra pai.
- Acho que você deixou isso na sala.
Era o caderno dela. Mesmo nas mãos grandes de seu pai dava para ver o couro da capa desgastado pelo tempo.
- Por que tem esses nomes aqui Vick? Por que você anota isso?
Os olhos de seu pai se abriram em suspeita. Como ela poderia contar a ele a verdade sobre os nomes? Se nem ela entendia como ele poderia entender? Mas não havia saída a não ser contar, ela não podia mentir para o próprio pai. Lágrimas começavam a correr por sua face, ela cobriu o rosto com a mão. Seu pai também chorava, todos estavam sofrendo, era complicado.
- Não quis fazer isso papai não quis. - ela olhou para ele com dificuldade - Por mais que queime não vou mais deixar ninguém morrer - ela fizera a escolha só havia duas alternativas e a vida era em primeiro lugar.
Aquela pequena conversa com o pai a fez perceber o quanto podia ter salvado se não tivesse lavado sua mão todas as vezes.
E só tinha uma forma de salvá-las.
Quando ela era pequena, após a morte de Billy, ela adotou uma pequena borboleta que deu o nome de Rosa, por causa das asas dela que tinha uma mescla de vários tons de rosa. Rosa estava sendo perseguida por um gato há semanas, o nome da borboleta também apareceu na mão dela e após três dias o gato retirou as asas dela e logo depois ela se foi.
Ela resolveu adotar outro inseto, talvez ela pudesse testar, pensou. A primeira coisa que veio a sua mente foi uma formiga, no quintal tinha várias delas, e uma aranha para ser o caçador, essa que também seria encontrada na casinha de equipamentos do seu pai. A pobre formiga estava recebendo sua sentença de morte ao entrar na caixinha de vidro que Vick preparou para ela com alguns grânulos de açúcar.
- Desculpe, mas preciso fazer isso Preta, esse será seu nome.
Em uma outra caixa estava a aranha, ela trocou a caixa de Preta por uma rede que a aranha facilmente cortaria.
Na mesma noite o nome de Preta apareceu queimando em sua mão, mas isso não a impediu. O nome ficou três dias e a aranha nada avançava, pelo contrário a aranha havia se embolado na própria teia enquanto Preta comia os grânulos de açúcar que ainda restavam.
O nome sumiu a aranha acabou presa e morta na própria teia. Estava confirmado, se ela não lavasse os outros teria dado chance assim como para a formiga.
E Heloísa.
Heloísa podia estar viva, seus pais não estariam sofrendo e ela só teria sentido dores por três dias.
Três dias.
- Ninguém mais morrerá por minha causa.

Capítulo 3

Victória não tinha deixado de usar seus pretos, mas ela precisava de uma nova imagem, uma imagem mais feliz.
A primeira coisa que ela fez foi deixar de lado todos os lápis de olhos. Ela decidiu dar a mãe e ao pai as forças que precisavam. Não que a maquiagem fosse fazer isso.
Ela foi de livre e espontânea vontade pegar os últimos papeis da funerária, ela não queria mais ver seus pais chorando. Eles mereciam uma nova vida.
A casa precisava de luz, de vida. Ela abriu todas as cortinas e colocou uma música para tocar ao fundo, a música em que os seus pais tornaram como a trilha sonora do seu primeiro encontro.
Enquanto a casa tomava um novo rumo ela foi até a funerária a pé já que não tinha ninguém para levá-la.
- Bom dia – disse ela ao entrar na funerária bem diferente do seu tom habitual.
Era um lugar estranho, mas todas as funerárias deviam ser assim, pensou ela. As paredes eram marcadas de cinza e a decoração com vários móveis e objetos antigos parecidos com de colecionador. O ambiente tinha um cheiro estranho, para ela era como terra e vinagre.
- Desculpe, bom dia.
Um rapaz saiu de uma porta com um macacão sujo de tinta e poeira. Ele tinha um rosto familiar para ela, mas ela não sabia de onde ele era.
- Victória? Victória Umbelina? – ela assentiu – Não sabe quem sou não é? – ela balançou a cabeça negativamente – Talvez seja esse macacão, qualquer um ficaria irreconhecível.
- Ruan?
- Sim, isso.
Vick sempre estudou com Ruan Celentano, eles faziam os trabalhos de escola juntos. Ruan, como ela já escreveu esse nome em seus cadernos – exceto o caderno dos mortos. Ela era apaixonada por ele desde o primeiro dia de aula. Desde que seus olhos encontraram aquela peruca castanha lisa e aqueles olhos pretos, ela se encantara. O problema é que ele apesar de ser simpático com ela, também parecia ter medo. Mas ali estava seu sonho, frente a frente com ela fitando-a com aqueles olhos e aquela roupa estranha.
- Você está diferente com essa roupa, nem te reconheci. Você trabalha aqui?
- Funerária Celentano, é da família a gerações agora é do meu pai e depois será minha, depois do meu filho e assim por diante.
Um silêncio tomou conta dos dois. Ruan notara que Victória estava mudada, talvez fosse a falta do lápis que deu-lhe um brilho nos olhos. Ruan a achava diferente, mas não como os outros achavam, ele sabia que por dentro ela era outra pessoa. Uma pessoa que ele adoraria conhecer.
- Vim resolver a papelada de Heloísa Umbelina. É com você?
O nome de Heloísa saiu como uma faca arranhando na garganta dela, Ruan viu na mesma hora a dor que ela estava sentindo.
- Você era irmã dela?
- Sim.
- Meus pêsames – ela assentiu em agradecimento, já deveria ter acostumado com essa situação – Acho que meu pai deixou os papeis aqui, basta assinar.
A culpa da morte da irmã seria sempre sua, pensava ela. Mas seria por Heloísa que ela não deixaria mais ninguém morrer. Por Heloísa, por Billy e por Rosa.

Capítulo 4

- Estela, ela não fez nada. Tenho certeza que ela não queria.
Heitor contara a mulher a confissão de Victória, mas Estela estava brava e ela tinha achado a culpada para isso.  Sua própria filha. Heloísa morrera por causa da irmã. E ninguém tiraria isso da cabeça de Estela.
- Mãe, pai. Tenho que contar uma coisa para vocês.
Estela encarava a filha. Heitor observava com cautela. Ele achava que a filha mexia com magia. Talvez a magia do caderninho, talvez. Mas não era, era tudo muito diferente do que ele imaginava.
- Mas filha você já me contou, já me disse que é tudo pelo caderninho.
- Não tem nada a ver com o caderninho. O caderninho é só um... caderninho.  – ela fez uma pausa. – Vocês se lembram quando me deram o Billy e eu disse que minha mão estava com alguma coisa, mas vocês disseram que não era nada? – eles assentiram – Pois bem, tinha um nome na minha mão, o nome de Billy e ardia muito, assim como todos os outros do caderno. Descobri que por algum motivo eu tenho em mãos a vida das pessoas e se eu lavo ela morrem , mas se deixo arder elas vivem.
- Então você não faz por querer? – perguntou Heitor com uma pequena dúvida.
- Claro que não, eu não...
- Então você simplesmente lavou a sua irmã? – desafiou Estela.
Heitor parecia ter entendido, enquanto a mãe continuava chocada, mas estava com uma lábia enorme. Por mais que Vick provasse o contrário ela não acreditaria. Victória matou Heloísa, era a única coisa que ela conseguia pensar.
            - Vá embora daqui sua assassina – gritou ela.
            - O que está falando? – perguntou Heitor segurando o braço da esposa.
            - Quero ela fora da minha casa. 

Após ser expulsa de casa, Heitor levou ela a um antigo conjugado onde ele morava antes de se casar, tudo isso escondido da mulher que permanecia furiosa. Heitor prometeu ajudar a filha, mas ela negou, no fundo sabia que isso não acabaria bem e melhor seria se virar sozinha.
Agora lá estava ela, sozinha naquele conjugado, cheia de malas, caixas e dúvidas. E se eu não tivesse contado... E se eu não tivesse esse “dom”... E se... E se.
O lugar era aconchegante, paredes todas brancas com moveis marrons, o quarto era o único lugar colorido sendo completamente contrário ao resto da casa, paredes azuis, o lençóis que ela forraria eram azuis também. Aos poucos ela deixou o lugar de um jeito que se sentisse bem. Se isso fosse possível.
Só de pensar que ela havia guardado o seu segredo desde pequena e em apenas um final de semana tudo foi para os ares. Sua vida tomara um rumo inesperado e ela sentia que iria ser assim daqui para frente.
O caderno de nomes ainda estava com ela. Todas as noites ela se martirizava lendo e relendo cada um, lembrando como essa pessoa havia morrido. Para ela esse era o preço por ter matado cada um.
Quanto mais o tempo passava, mais aumentava as bolsas abaixo dos olhos de Vick. Ela passava a maior parte do dia chorando, tirando apenas a hora que estava na escola ou no trabalho.
As pessoas já não a olhavam com ar assustadas, mas com pena. Ela ficava imaginando, se um dia sua mãe contasse seu segredo como eles a olhariam?
Seu pai todos os dias ligava, ele falava sussurrando e dava para notar que estava escondido no banheiro. Queria ajudá-la, confortá-la. Só queria que ela soubesse que tinha alguém em que confiar. Mas ela não queria vê-lo contrariar sua mãe.
Os dias que se passaram foram mais complicados, não pelas dores dos nomes, pois não apareceu nenhum. Mas porque agora ela estava sozinha, e apesar de já ter se sentido assim outras vezes aquela era diferente. Ela realmente estava só.
            - Nossa como está péssima! – todos diziam quando ela passava.
            - Victória quer tomar um suco comigo? – Ruan sentia que podia e precisava estar com ela agora. Ele era o mais próximo de amizade que ela tinha. E como ela podia recusar um convite desses? Quando deu por si estava sentada no gramado da escola com ele ao seu lado. Ombro com ombro. – Você não precisa fingir que está forte.
            - Não estou fingindo que estou forte.
            - Caramba Vick, você já parou para olhar no espelho? Você é linda e está destruindo a si mesma. – ela paralisou, ele a achava bonita – Todos os dias escuto você aos soluços no andar de cima.
            - Hã? No andar de cima? – ela nunca notara.
            - Se mudou para o conjugado acima do meu. Somos vizinhos.
            - Eu não sabia
            - Acho que você está precisando sair.  

Capítulo 5

            - Você não tem idade para dirigir. – ela disse.
            - E você acha que alguém aqui nota isso? Moramos no fim do mundo.
Na cidade todos agiam “fora da lei”. Ruan estava entre os muitos jovens que andavam sem carteira de motorista e com o apoio do pai.
Ele estava levando ela para matar aula, logo ele que ela pensou que fosse nerd, aqueles certinhos e tal. Mas essa tinha sido a idéia repentina dele. Mas para onde ele a estava levando?
            - Onde vamos? – já estavam passando da extremidade da cidade, a última casa já havia passado. Vick nunca fora além dali.
            - Já estamos chegando.
Pararam em um campo lindo, totalmente florido e emanava uma tranqüilidade instantânea.  Tinha muita vida ali, notara Vick. Não apenas as flores que pareciam ser bem cuidadas, mas ela podia sentir os animais e os insetos. Várias borboletas circulavam no local, pareciam dançar.
Ele deixou que ela aproveitasse o lugar. Ela olhava maravilhada cada folha, cada assovio de pássaros. Seus olhos brilhavam e pela primeira vez em dias ela estava sorrindo.
            - Que lugar incrível!
Ele seguia cada passo dela. Quando ela parou de frente para uma flor e se virou repentinamente cambaleando ao se esbarrar nele. Ele a segurou pela cintura para que ela não caísse.
            - Queria ser como elas, as borboletas. Não são lindas? – ela disse ainda encantada.
            - Não mais que você – ele estava enfeitiçado com aqueles olhos azuis – Queria ser uma borboleta também, para sentir o aroma das rosas e ganhar esse sorriso lindo de brinde.
Ela sorriu novamente corando de vergonha. Por um segundo pensou que estava sonhando com Ruan, o garoto que ela passava horas pensando estava ali, e era real.
            - Melhor irmos – disse ela tentando se afastar das gentis mãos dele.
            - É, é melhor irmos.
Mas os dois não se moviam. Ficaram parados fitando um ao outro, tentando resistir ao desejo que sentiam um pelo outro. Quando finalmente a parede pareceu ter sido quebrada e ele firmou seu corpo ao dela e lhe deu um beijo. Ambos esperavam por aquele momento, mas por algum motivo sentiram-se envergonhados quando se separaram.
            - Melhor irmos – repetiu ela faltando-lhe oxigênio para falar aquelas poucas palavras.
Pareceram segundos, mas foram horas. Ela estava atrasada para o seu horário de trabalho e ele também.
Foi um bom motivo para se atrasar, pensou ela quando se sentou em sua mesa e sorrindo começou a trabalhar.

Capítulo 6

Mais uma noite sozinha. E aquela rotina se repetia. O caderno parecia já fazer parte da decoração. Sempre em cima da cabeceira da cama.
Aquele momento exigia muito dela. Era como se alguém estivesse retirando uma parte dela. Como que após um dia tão maravilhoso ela ainda iria passar por aquele mesmo momento torturante?
Mas ela achava necessário.
Um gato entrou pela janela e passou atrás dela fazendo-a bater a mão no abajur que se espatifou no chão. O susto foi tão grande que o caderno voou de suas mãos e restou apenas seu grito ecoando no ar como se ela tivesse cantando.
            - Victória? Victória?
Ruan entrou correndo pela porta que ela esqueceu de trancar. Atrás dele tinha um senhor não muito velho com roupas escuras. Vick estava de pé com a mão no peito ofegante. O gato saia pela porta onde Ruan acabara de entrar.
            - Está tudo bem, o que houve?
            - Me assustei e joguei o abajur no chão.
Tinha vidro por toda parte. Ela encarou o homem que ainda estava parado, quando ele notou que ela o fitava estendeu a mão.
            - Jorge Celentano.
            - É meu pai – ele deu um sorriso.
            - Desculpe ter preocupado vocês.
            - Não tem problema. Onde tem uma vassoura? Alguém pode se machucar com esses vidros. – disse o pai dele.
Ela apontou para a vassoura e ele foi prestativo e começou a varrer o pequeno conjugado, enquanto o filho sentava com Vick para acalmá-la.
Jorge não estava contente em ir até o filho e acabar varrendo a casa da vizinha dele, quer dizer, com as caricias dos dois dava para ver que já não eram apenas vizinhos. Em seus pensamentos Jorge estava viajando entre voltar para casa e conversar com o filho, ele não procurava por nada, nunca foi de bisbilhotar a casa de outras pessoas, assim como não queria que fizessem com a sua. Mas aquele caderno estava aberto no chão com o vidro em volta. Ele se abaixou contra suas costas fracas para poder pegar e limpar o local e viu o que estava escrito. O caderno continha nomes, ele leu atentamente cada um, sendo o último o de Heloísa, o último caixão que lhe fora encomendado.
E todos os nomes lhe lembravam vagamente outros caixões dele. Ali surgiu sua dúvida. Para que a moça escrevia aqueles nomes das pessoas que morriam?
Ele terminou e saiu porta afora sem dizer nada, ou pelo manos para Vick não disse nada, mas para o filho lhe lançou um olhar que dizia “Depois nos falamos” e assim deixou os dois sozinhos.
Ruan esperou que Vick dormisse. Seu pai estava esperando em seu conjugado.
            - Filho vou para casa, é melhor você ficar com ela.
            - Tá bem pai, até amanhã.
Quando seu pai foi embora ele retornou a Vick, pois não iria deixá-la naquele estado de pânico.

Capítulo 7

Naquela noite Ruan ficou observando ela. Não fora a primeira noite conturbada de Vick. Ruan ficou perplexo ao ver ela revirar e revirar na cama. Os braços dela batiam na cama como se ela quisesse espantar algo.
Vick sempre sonhava com as pessoas que morriam, e havia alguns dias que ela sonhava com sua irmã crescendo e se tornando uma garota de sucesso, mas isso nunca iria acontecer. Pois Heloísa estava morta.
A noite fora diferente, ela continuou com o sonho, mas os mortos lhe davam adeus, enquanto a irmã se sentava e tornava ali a sua moradia. Ali ela se sentou também e ficou observando aquela garotinha. Depois disso ela dormiu tranquilamente.
Ruan saíra antes para quando ela acordasse ele está com uma aparência razoável. Ela acordou um pouco em seguida e fez sua rotina diária.
Quando ele voltou ela já estava arrumada, e mais uma vez o surpreendeu. Ele que nunca tinha visto ela com outra cor que não o preto ficou chocado quando ela apareceu com um casaco laranjada por cima da blusa branca da escola.
Para ela aquele casaco só significava uma coisa. Recomeço. Apesar de sua vida parecer ter desmoronado, ela sentia que tudo seria diferente. Afinal ela estava experimentando novos ares. E se isso estava assustando Ruan, imagine como ela estava.
Era como se ela tivesse acabado de sair do seu casulo. Morada nova, pessoas novas, atitudes e escolhas novas. Aquela não era a antiga Vick acanhada e com medo do sol, aquela era a nova Vick que queria mais do que tudo mudar o que esteve fazendo.
            - Ah me olham como se eu fosse um e.t.. Me parece que eles gostavam mais antes quando minhas roupas os assustava.
Quando ela chegou com Ruan ao seu lado foi bombardeada por vários olhos curiosos, ela corou na hora. Ele só fazia aumentar a curiosidade das pessoas, não que ele fosse inatingível para ela, mas Ruan tinha muitas meninas interessadas por ele e o que elas não conseguiam entender era porque ele preferia aquela garota a elas.
            - Só se for o e.t. mais lindo que já vi. Eles só estão surpresos.
            - Essa surpresa vai me deixar paralisada se não pararem.
Ruan riu e segurou sua mão tentando lhe dar confiança, mas isso pareceu piorar a situação, pois todos não conseguiu se conter. Praticamente pararam com a boca aberta, ou foi isso que Victória viu antes de fechar os olhos.
            - Me leva daqui.
Não teve outra, Rua quase teve que arrastá-la, pois seus pés estavam fixos no chão. Esse era outro preço para mudar de vida. 

Capítulo 8

Os dias seguintes foram felizes, ao lado de Ruan Vick ela sorria verdadeiramente. Também era só ao lado dele que ela corava ao passar em qualquer lugar, afinal na cidade pequena todas estavam acostumados a sombria Vick, a preta e agora a cor parecia fazer parte dela.
Já Estela continuava acreditando que tudo era culpa da filha. Ela ficou uns dias sem sair de casa, parecia que tinha medo do mundo.
Heitor, nesse meio tempo, sentia liberdade para ir e vir. Ele visitava a filha todos os dias, apesar de ela nunca estar em casa. Ele deixava cartas em envelopes carmim e dentro do envelope colocavas algumas notas de dinheiro que ele acreditava que ela precisava. E todo final de semana ele recebia o dinheiro juntado de volta.
Victória sentia a dor de seu pai só de abrir as cartas. A letra de seu pai sempre fora linda e elegante, mas nas cartas pareciam tão distintas como de crianças quando estão aprendendo as primeiras letras. As cartas sempre viam recheadas de: Estou com saudades, Sinto sua falta, Queria ter ver sorrindo de novo, Não é culpa sua, e outras no mesmo estilo.
A última carta entregue realmente surpreendeu Vick, pois não era de seu pai e sim de sua mãe. E quem esperava um “Sinto muito, volte para casa” deveria antes levar um choque e cair na real. Estela não estava nem um pouco arrependida, e muito menos afim de apaziguar a discussão.
“Vick, Vick.
Tola fui eu que crie um monstro como você. Sabe quem veio me visitar noite passada? Sua irmã. Ela me disse que foi você e sabe o que ela me pediu? Que vingasse a morte dela.
Posso te dizer sinceramente que vou fazer o que ela me pediu. A justiça tem que ser feita, você não acha?
Espero que você esteja bem. Fiquei sabendo que seu querido pai anda lhe dando dinheiro, se fosse por mim você morreria de fome. Seu pai é muito inocente, não sabe que ele pode ser o próximo? Ou seria eu? Ora corre lá Victória coloca o meu nome no seu caderno de macumba. Se você não me matar, juro que farei de sua vida um inferno. Só ficarei feliz quando Heloísa me dizer que está satisfeita. Aproveite seus dias. Com amor mamãe.”
Victória ficou atônita em estado de choque. Como essa pessoa poderia ser a mãe dela? Realmente ela não sabia. Seu pai entendeu tudo direito, por que Estela estava agindo dessa forma?

Capítulo 9

Passaram-se alguns dias, dias de paz. Em uma cidade pequena não havia mesmo muitas pessoas para morrerem. Mas mesmo assim Victória sabia que uma hora sua mão iria arder.
Seu caderno ainda estava perdido pela casa, mas de qualquer forma ela não iria mais escrever uma só palavra nele. Por isso ela comprou um novo caderno, este todo colorido onde ela escreveria o nome dos vivos.
Fora numa manhã, dia normal de escola quando ela passava pelo corredor chamuscadas de pupilas ainda tentavam entender sua mudança. Subitamente sua mão começou a arder e um nome começou a se formar.
Camilo era o nome da vez.
Camilo era um dos garotos mais inconveniente da sua sala. Ele havia tomado alguns remédios errados naquela manhã e estava sentindo algo paralisar dentro de si. Vick foi a primeira a notar o seu mal estar, não que ela já não soubesse o que iria acontecer.
- Camilo está se sentindo bem?
- Não sei, não sinto o sangue circulando.
Ele estava pálido como uma folha de papel, ela o levou direto para o hospital que ficava do lado da escola. Os pais dele chegaram logo em atrás, disseram que o filho tomou um comprimido que na verdade era um veneno que eles haviam deixado na caixa de remédios. Isso seria suficiente para levar Camilo direto para a sepultura, se Vick não tivesse visto.
Todos na cidade já estavam sabendo e muitos olhavam para ela preocupados, esperando que ela gritasse “Ele está bem”. Para ela isso era maravilhoso, pois significava que ela realmente podia decidir salvar as vidas. E assim esse foi o primeiro nome do novo caderno. Meses depois muitos outros também ocuparam linhas.
Heitor não procurou mais a filha e Estela continuou lhe mandando cartas esquisitas. Ela ainda não estava completamente adaptada a sua nova vida, aos novos amigos e principalmente ao novo namorado que chamava muita atenção, mas era atencioso e ficava com ela sempre que podia, aos poucos ele se tornou a pessoa mais importante para ela, e ela a mais importante para ele.
Qualquer barulho ele subia correndo até o seu conjugado para saber se estava tudo bem e se ele podia ajudar.
Realmente a vida dela já não era a mesma.


Capítulo 10

- Ruan os negócios vão de mal a pior. E todos esses anos que a funerária existe nunca sofremos uma queda assim tão grande.
- Pai talvez seja a hora de acrescentarmos algo na loja para que também possa render com os vivis.
- Talvez meu filho, talvez. Nessa cidade ninguém mais morre até a senhora Carmelita de cem anos conseguiu se salvar do enfarto que teve.
O prejuízo de Jorge era realmente grande. Antes de tudo começar ele havia feito a encomenda de vários produtos e objetos necessários para a funerária. Agora estava tudo dentro do depósito, se duvidasse algumas já estavam vencidas e as flores murchas.
O pior não era isso, Jorge só tinha essa renda, e para sua sorte Ruan já avia saído de sua casa e trabalhava no cartório da cidade, pois as despesas seriam muito grande com duas bocas para alimentar.
Depois de tantos anos a funerária havia sido motivo de muito orgulho para a família Celentano só o que Jorge queria era manter esse orgulho. Ele queria continuar com seus lucros, mais do que isso, queria que o seu nome entrasse para o livro de memórias da família.
Seu filho sempre achou isso uma paranóia do seu pai, talvez fosse a idade que o estava deixando cada vez mais sedento por este livro. Por isso Ruan desistiu de ser ele o herdeiro, já pensou se o pequeno Ruan ficasse igual ao pai? Não, era isso que ele temia.

Victória estava trabalhando muito. Também agora ela tinha que arcar com as despesas do conjugado. Até mesmo para Ruan ela não tinha tempo.
O conjugado estava muito sujo e ela teve que contratar uma moça para arrumar a casa.
- Então Carol só precisa de uma limpeza básica, preciso mesmo é de uma organização tudo que você encontrar no chão pode jogar fora e tem apenas uns pratos na pia. Agora tenho que ir trabalhar, quando eu voltar passo na sua casa para acertamos o preço.

Capítulo 11

- Encontrou alguma coisa Carol? – perguntou Jorge louco para confirmar sua suspeita.
- Sim senhor, ela me disse para jogar tudo do chão fora. O caderno que o senhor descreveu estava embaixo do guarda-roupa.
- Ah que bom que você encontrou, tem tanta coisa aqui que estou precisando para a funerária acho que deixei cair na casa dela, obrigada querida.
Jorge agora tinha em mãos o velho caderno de Vick. Por que ela não jogara ele fora? Teria economizado perguntas e prováveis condições morais.
A primeira vez que viu o caderno Jorge achou que estivesse enganado, mas não, não estava. Todos os nomes que estavam lá faziam parte do portfólio do cemitério e como era de se esperar no seu portfólio também. Ela realmente escrevia o nome daqueles que morriam e todos na mesma ordem que ele.
Isso não podia ser coincidência do destino, pensou ele.
Agora ele estava mais do que determinado a saber qual era o segredo dela. E precisava bolar um plano de descobrir.

Mais um mês se passou e Jorge estava na cola da coitada da Vick, sim ele estava determinado a saber se ela era a causa dos seus prejuízos na funerária. Ele estava tão obcecado que colocou câmeras em todos os lugares que podia, exceto é claro dentro do conjugado dela.
Mas foi o suficiente para ver o que viu. Victória saindo do conjugado com a mão segurando com força o pulso direito, e com um zoom aqui e ali ele viu Manoela escrito, a menina que tinha câncer e estava em um estado que não tinha mais como continuar a quimioterapia e os medicamentos não estavam mais fazendo efeito, Manoela estava com os dias contados, estavam apenas esperando seus olhos fecharem para não se abrirem mais, o caixão já havia sido encomendado e tudo estava combinado, mas no instante em que o Tum da máquina do hospital apitou com aquele som agudo que todos conhecem indicando sua morte, ele não continuou, pelo contrário, deu um solavanco e começou a marcar as pulsações do coração da garota, aos poucos ela foi respirando com dificuldade até que estava pulando e dançando no quarto do hospital, todos atônitos.
Jorge viu a cena toda, após ver o nome na mão da garota, ele correu para o hospital para ver o que aconteceria, e não conseguiu acreditar quando a menina “ressuscitou”. Todos começaram a bater palmas e agradecer ao milagre que receberam. Ele ficou tão enfurecido que jogou o celular na cabeça da garota que na mesma hora caiu desmaiada, mas ela não morreria não enquanto Victória pudesse salvar sua vida. 


Capítulo 12


Como diriam muitos o caso de Vick era considerado INJUSTIÇA. Após ser expulsa de casa e ter o seu segredo descoberto pelo pai de Ruan, a pobre garota não estaria preparada pelo que viria a seguir.
Jorge estava com sangue no olho, ele queria seus lucros novamente. Ele queria morte. Mortos. Toda essa história de milagre, de pré-morto ganhar um sopro de vida não estava deixando ele nada feliz. E depois que ele descobriu que tinha alguém por trás de tudo estava mais que disposto a correr atrás do que ele sempre teve e principalmente, do seu nome no maldito portfólio da família.
Mas Jorge não sabia ainda como a garota fazia o que fazia. Aquilo ainda não fazia sentido para ele. Teria algum sentido ao menos?
Do que ele conhecia aquilo parecia magia, alguma coisa ela fazia. Só tinha uma forma de saber... “Se a garota foi expulsa de casa, os pais dela devem ter descoberto” pensava ele. Ele conhecia Estela e Heitor, conhecia-os desde a adolescência. Então foi até a casa deles.
            - Jorge? Quanto tempo! – dizia Estela surpresa – Lamento dizer que não veio em boa hora, Heitor não está.
            - Ora Estela, não tem tanto tempo assim. Mas não quero falar com Heitor.
            - Comigo? – ela perguntou com o dedo apontado para o próprio peito, e ele acentiu. – Então entre Jorge e diga o que veio me falar, espero que não seja problemas.
Ele não tinha como ser menos direto...
            - Sua filha meche com magia negra?
            - Aquela maldita! Está sujando o nome da minha família. Quanto você quer para ficar calado? Nem precisa por muito tempo, ela não vai ficar viva até lá. Posso colocar toda a culpa na magia dela – pensou alto ela.
- Morta? – ele também pensava alto – Meus negócios iriam voltar.
- Ela também está te dando problemas? – ele fez que sim com raiva. – Não por muito tempo, que tal uma parceria?
Isso é o que podemos chamar de parceria do mal. Isso sim é a verdadeira Cruela e o Lobo Mal.


Capítulo 13


Ruan estava eufórico. Ele havia brigado na escola com um garoto que pegou Vick pelo braço a força e quase lhe deu um beijo roubado. Ele ficou indignado e os dois rolaram dando socos e chutes um no outro. Ninguém para separar, a não ser o desmaio do outro. Ruan saiu sangrando, o sangue escorria de dentro da boca, do nariz e da testa. Ele estava marcado, machucado, mas Vick não seria insultada dessa forma.
            - Poxa Ruan, não precisava disso – ela estava limpando os machucados com um material de primeiros socorros. Ele resmungava e fazia caretas quando o remédio agia sobre o ferimento.
            - Não precisava? Não precisava? Aquele idiota tentou te beijar.
            - Eu sei dis...
            - Então não me repreenda, fiz o que fiz porque achei que era certo, e ainda acho.
Ela parou o que estava fazendo, voltou os olhos para o céu e começou a pensar. Pensar na vida, em como havia mudado. Ela não era a mesma do começo do ano. Em apenas cinco meses, tinha se transformado. Não só suas roupas coloridas, mas sua forma de pensar também.
            - O que foi? – ele perguntou para ela – Ficou brava?
Vick não respondeu. Ainda estava pensando. Agora nele. Ruan. Como surgiu em sua vida, tomando as rédeas da sua vida. Sim ele era perfeito demais para acreditar, ela ainda tentava achar a pegadinha do destino, ela sabia que teria uma, Ruan não era um sonho possível para ela, era o sonho de qualquer outra, mas não dela.
Mas ela o amava. E ele dizia que também a amava. O que tinha a fazer além de aproveitar o momento. Ser feliz pelo menos uma vez. Amar alguém de verdade sem mentir para si mesma.
Depois de várias tentativas em falar com ela ele ficou em silêncio apenas observando e pensando também o que aqueles lindos olhos azuis estariam vendo, ou o que ela estaria pensando.
De repente e olhou para ele. Tão cheia de admiração. Seus olhos dizem que estava pensando em nós, ele pensou. Mas ele não se preocupou, ele a conhecia bem, o olhar não enganava e aquele olhar dizia que ela o amava e que tinha certeza disso.
Os dois ficaram se olhando por uns bons momentos, mas depois perceberam que o que queriam não era ficar se olhando. E para a surpresa dos curiosos, eles se beijaram pela primeira vez em público. Foi um beijo tão cheio de desejo, tão cheio de amor que até mesmo aquelas que tinham invejo do casal sorriram e fizeram aquele “Oh” de admiração.
            - Você sabe que te amo – Ruan disse acariciando-lhe o rosto com as costas das mãos.


Capítulo 14


            - O que você estava pensando em fazer? Você é mãe dela entende melhor ela do que eu – perguntou Jorge a Estela.
            - O que acha que eu sei? Eu não posso simplesmente colocá-la de castigo apontar o dedo na cara dela e dizer que ela não pode fazer isso. Ela não pararia. Na verdade, nem sei quando começou a mexer com magia negra. Isso não é normal para alguém da idade dela, não é normal para idade nenhuma.
Eles passaram a se encontrar mais. A funerária vazia deixava o ambiente maravilhoso para discutir um plano.
Jorge só conseguia pensar em como a garota havia estragado seu sonho. Em como a garota deveria levar uma boa recordação para nunca mais fazer o que fazia. Ele era perverso, já tinha um plano.
Estela, mesmo sendo mãe não queria que a filha continuasse o que estava fazendo. Ela havia matado a irmã, Heloísa estava morta porque ela lavou a mão, Estela não conseguia esquecer. E não era apenas isso que a incomodava. As pessoas começariam a desconfiar. Jorge foi apenas o primeiro, quem mais viria procurá-la? Ela não queria esperar mais ninguém. Já estava cansada de chorar pela filha. Estava cansada de se perguntar “Foi certo mandá-la embora?” o problema é que no fundo ela sabia que não, mas tinha um lado dela que não conseguia pedir desculpas a filha. E mesmo se pedisse, ainda acharia que sim, desculpas não eram o bastante. Tinha que vingar a morte da filha, aliás ela havia pedido em seu sonho. E sonhos sempre foram motivo de decisões para Estela. Ela sabia que era isso que a filha queria. A sua assassina morta. E ela também queria. Mas ela não via a assassina como sua filha, via Vick como uma louca vestida de preto e cara encapuzada com as mãos na água. Para ela isso não foi uma escolha que Vick fez, e sim um plano. A garota sempre quis chamar atenção, ela pensava. Sempre de preto. Queria muita coisa, uma irmã a mais iria lhe tirar o conforto.
            - Foi isso, puro egoísmo – ela pensou alto.
Jorge não disse nada. Também estava pensando. Pensando em todos que ele queria mortos. “Seria uma honra ter o caixão do prefeito ou do diretor da escola encomendados por ele. Sim seria.” Ele achava que a garota poderia ajudá-lo, achava que sua suposta magia negra pudesse matar quem ele quisesse.
Sem Jorge e Estela soubessem qual era a verdadeira causa da menina.
            - Qual o plano? – Estela perguntou com um olhar malvado.


Capítulo 15

           - Pai? Que surpresa! – Vick disse ao se deparar com o pai na entrada do conjugado.
            - Ah querida, surpresa que seu pai venha lhe visitar? Eu não poderia era ficar sem vir.
Heitor abraçou a filha e lhe entregou um pacote. Ela fez um sinal de agradecimento e o mandou entrar. Pelo menos estava tudo limpo. Ela colocou água para esquentar e fazer a única coisa que nunca esqueceria: Café.
Fora seu pai que ensinara e ela aprendera direitinho. Biscoitos de queijo na mesa, xícaras e pratinhos decorados.
            - E como o senhor está?
            - Muito bem querida. Precisava passar um tempinho com você antes de viajar.
            - Vai viajar?
            - Sim querida – ela estava coando o café – terei que passar um tempinho na cidade. Mas não se preocupe. Manterei contato todos os dias.
Ela serviu café para ele e ele aprovou. Ela amava o pai dela e ele a amava como filha. Quando ele foi embora ela abriu o pacote. Era uma caixa com fotos. Fotos deles brincando e sorrindo no gramado de casa.
Vick dormiu com o álbum ao lado. Toc, toc.
            - Ruan! – ela gritou de felicidade.
            - Oi meu amor – ele deu um beijo na testa dela – Tenho um convite para você.
            - Nem precisa falar eu aceito.

Capítulo 16

            - Almoço na casa do seu pai Ruan? Não precisava pedir isso a ele.
            - Eu não pedi, ele quer almoçar com a gente. Ele disse que quer conhecer a namorada do filho dele. Por favor desculpe qualquer coisa que te deixe constrangida.
Desceram da moto e entraram na casinha do pai de Ruan.
            - Pai! – gritou ele.
            - Entra Ruan, estou na cozinha.
A casa era estranha como a funerária. Tinha várias estatuas e quadros com pinturas nas cores pretas e marrons.
            - Olá Victória – Jorge disse a cumprimentando com um aperto de mão.
            - Oi – ela respondeu sem jeito.
Jorge havia preparado lasanha e ele mesmo serviu o prato para cada um. Vick amava lasanha e comeu dois pedaços. Eles bateram um longo papo, depois do almoço se sentaram e tomaram café, mas o cansaço bateu sobre Vick e ela logo adormeceu.
            - Hum... acho que terei que esperar um pouquinho. Vou ligar para o meu chefe e dizer que não vou mais voltar hoje.
            - Que isso filho não se preocupe, eu cuidarei bem dela, vai trabalhar – reconfortou Jorge dando tapinhas no ombro do filho.
            - Está bem pai, se você disse que ela vai ficar bem eu confio. Até mais.
Ruan voltaria apenas a noite, Vick não precisava ir trabalhar era seu dia de folga. Jorge sabia por isso escolheu a dedo o dia, e com a ajuda de Estela fez o almoço e colocou sonífero na parte da comida e no café dela.
            - Ela caiu na armadilha! – disse ele a Estela.
            - Mas como vamos saber se ela vai matar ou salvar alguém? – ela perguntou olhando para a filha inconsciente no sofá.
            - Simples. O carro do Joaquim está sem freio – Joaquim era um senhor que vendia pamonhas nas ruas. – Posso dar uma folha e uma caneta para ela fazer as magias dela.
O plano começava a andar.

Capítulo 17

            - O que estou fazendo aqui? – Vick disse ao acordar amarrada a uma cadeira.
            - Bom dia querida, dormiu bem? – disse Estela.
            Vick havia passado a tarde, e a noite amarrada em uma desconfortável cadeira. Ruan até voltou mais seu pai deu um jeito de fazê-lo ir embora.
            - Dormi sim senhora. Que horas são e... que lugar é esse? – Vick não queria mostrar que estava assustada, seu forte sempre foi dar a volta por cima, essa situação não seria diferente.
            - São nove horas bela adormecida e estamos na casa de ferramentas do papai.
            - Eu tenho que trabalhar o que estou fazendo aqui?
            - Você está aprendendo a não brincar com vida e morte queridinha – respondeu Jorge amordaçando a garota.
            Ele saiu marchando até a porta deixando a menina com os olhos vermelhos e sua mãe a correr atrás dele.
            - A garota fala demais. Onde estará o Joaquim agora?
            - Olha a pamonha, olha a pamonha. Tem de doce, tem de sal. Tem de açúcar e cristal. Tem pra Páscoa e pro Natal.
            - Chegou! Chegou!
            - Cala a boca mulher. Como ele não chegaria, ele é seu vizinho. Alguém aqui compra essa pamonha nojenta?
            - Só a Dona Maria, ali depois da curva.
            - Ótimo.
            Ele entrou correndo outra vez. Vick já estava com a mão balançando, mas quando viu o viu entrar parou de tanto susto, a ardência já não importava diante daquele homem grande e misterioso. Jorge desamarrou a menina, e pegou sua mão.
            - Como você escreveu esse nome aqui?
            - Eu não escrevi. Ele surg... – deveria dizer? Ela pensou e se calou na mesma hora.
            - Surgiu?! Como surgiu?
            - Lava. – disse Estela surgindo do nada.
            - Não, não – Vick começou a se balançar na cadeira puxando a mão – não pode fazer isso. Você não pode fazer isso.
            - Jorge pegou uma esponja e um sabão de soda e esfregou na mão dela, a água escorreu levando consigo o nome de Joaquim. Logo ouviram uma batida de carro, sirenes e pessoas gritando.
            - Você não mata as pessoas, você escolhe se elas morreram ou não – disse Jorge surpreso e feliz pela descoberta do tesouro da funerária.
            - Então você não matou sua irmã porque quis como você disse. – Estela estava sem saber o que falar ou fazer. Sua filha estava amarrada injustamente, chorando e vermelha por causa dela que a expulsou de casa por achar que ela havia matado Heloísa por egoísmo. E agora? Ela pensou.

Capítulo 18

Havia três dias e Vick continuava presa, Jorge não desgrudava um segundo da menina.
- Ora Jorge, vá cuidar da sua funerária.
- Eu não queria, mas tenho que dar notícias para o meu filho.
- Vá Jorge, vá.
Estela estava arrependida, ela queria conversar com sua filha por isso era tão importante que ele saísse. Ela nunca se perdoaria se não soubesse a verdade, se não escutasse dela. Quando ele saiu ela já foi rápida:
- Vick! É verdade o que disse, você não mata porque quer.
- Eu tinha dito isso para você, arde muito.
- Você precisa sair daqui.
- Não posso, estou amarrada – ela disse levantando os braços amarrados com um bom nó.
- Eu te solto.
Estela tentava sem sucesso soltar os braços, como ela livraria a filha?
Uma tesoura seria bom, mas estava longe, ela sabia que ali perto teria uma faca das ferramentas do seu marido. Mas Heitor era muito organizado com suas coisas, ela encontraria se não fosse o desespero e as lágrimas que caiam e faziam ela enxergar com dificuldade.
- Procurando por isso? – disse Jorge surpreendendo-as com um facão na mão.
Estela se calou, mas Vick não fez o mesmo.
- Jorge você não pode fazer isso. – sim ele iria matar Estela, ela sabia ela podia sentir que algo muito ruim estava por vir, sua mão já ardia, ardia como se fosse cair. – Corre mãe!
- Mas e você? – ela disse arremessando objetos em Jorge.
- Não se preocupe comigo. Corra! – ela gritou já desesperada soltando as cordas do braço e subindo em Jorge o imobilizando, mas ainda tinha a faca.
Estela correu, correu muito. Ela foi para a rodoviária, retirou o dinheiro do caixa eletrônico e pegou o primeiro ônibus que viu, ela não sabia o que fazer, mas precisava falar com Heitor, ele tinha que salvar a filha.

  

Capítulo 19

            - Você não vai conseguir pegar minha mãe, lamento Jorge – disse Vick após ter sido presa na cadeira mais uma vez – Essa hora ela já deve estar bem longe.
            Ele estava fervendo de tanta raiva, tentou correr, mas a garota tinha que segurá-lo, sem contar no modo como ela segurava a faca. Foi difícil retirá-la da mão dela sem se cortar, a garota devia ter aprendido em algum lugar a mirar uma faca.
            - A vagabunda da sua mãe não é tão espera – o cuspe dele caiu diretamente nela.
            - Você pense bem no que diz da minha mãe seu cafajeste.

            - Como é? – ele olhou para ela incrédulo e lhe acertou na maçã do rosto – Acha que é esperta não é, que meu filho um dia quis alguma coisa com você não é? Tola, o Ruan sempre esteve do meu lado, tudo foi um plano.
            Vick não conseguia acreditar naquilo, Ruan, o seu Ruan, fazendo parte de um planinho sujo. Ruan não era e nunca foi assim. Não o que ela conhecia e porque ele iria fazer isso com ela, pelo mesmo motivo do pai, dinheiro? Interesse financeiro?
            Ela começou a chorar, e Jorge a sorrir, ele havia conseguido acertar um ponto fraco dela. Jovens idiotas sempre acreditando em tudo nunca procurando saber direto as fonte. Mas como ela poderia saber se era verdade ou não a muitos dias não via seu namorado. E ele não procurava pelo pai. Isso também era estranho. Cada vez mais sua raiva crescia.
            Teria errado esse tempo todo, depositando sua confiança na pessoa que pensou que a amava, na pessoa que a trairia, na pessoa errada?
            Enquanto a garota chorava tristemente, Jorge correu até seu lugar, sua aconchegante funerária. Lá encontrou o filho limpando o estabelecimentos.
            - Pai! Por que não me disse que iria viajar? – perguntou ele indignado após olhar a mala supostamente cheia de roupas.
            - Não precisava falar, achei que ficaria poucos dias.
            - Sabe da Vick? Depois daquele dia do almoço ela sumiu da cidade, não vai ao trabalho nem a escola.
            - Ela saiu daqui com uma idéia de que ia atrás do pai. – mentiu Jorge.
            O filho saiu intrigado, por que Vick iria atrás do pai se ela não queria que ele tivesse problemas com a mãe? Ele não sabia também porque ela não teria ligado.

Capítulo 20
            - O que foi Vick, tentando salvar mais alguém? – dizia Jorge sorridente.
            Ela não podia ler o nome. Ele também não lhe falava, era sempre uma tortura, ele estava enriquecendo novamente e ela sendo usada.
            - Vamos lavar um pouquinho para ver o que acontece.
            Jorge ria macabramente.
            Sua mãe não tinha voltado, ninguém aparecia na sua antiga casa. Não pareciam procurar por ela. Ela acabaria ali, velha e amarrada tendo a mão lavada a cada nome que aparecesse. “Vamos Vick, pense” ela exigia, mas era inútil agir fraca. Dias sem comer, sem tomar água. Até isso ele retirou dela. Nem conseguia dormir.
            - Você não está nada bem Vick, precisa tomar um banho e comer não é. – ele jogou um balde de água fria nela – Pronto! Agora está melhor.
            “Não posso chorar, não na frente dele” ela dizia a si mesma “Não vou chorar”.
            - Trouxe isso para você – ele abriu uma marmita que estava fedendo, certamente não estava na validade certa – Está ótimo, comprei na segunda só tem três dias tenho certeza de que ainda tem o mesmo sabor.
            Colheres, e colheres foram enfiadas na boca dela, ele se divertia ao vê-la cuspir a comida estragada. Sorria ao vê-la sofrer. Esse jogo estava cada vez mais divertido para ele. Ninguém lhe perguntava o que ele fazia nos seus tempos vagos, ninguém nunca se importou com o que ele fazia ou falava, a não ser as vezes seu filho, mas Ruan estava ocupado demais com as provas da escola e seu trabalho.
            - Se não quer comer, está bem. E água? – ele levantou uma garrafa de água suja e balançou para ela – Acho que está com sede não é?
            Antes que ele desse alguma coisa para ela, ela já havia desmaiado.
            - Pobre Vick!

Capítulo 21
- Eu só não sabia como salvá-los, eu não sabia. Ainda mais porque eu não queria isso pra mim senhor. EU NÃO QUERIA! Por que eu? Eu não tenho o direito de julgar ninguém, ainda mais aqueles que eu não conheço. Quem sou eu para dar o veredito de vida ou morte? Só queria que minha vida voltasse ao normal, eu na minha casa com os meus adoráveis pais, tentando me fazer felizes e com minha irmã que morreu sem ter ao menos dado os primeiros passinhos. Heloísa não deveria ter morrido, ela merecia mais do que um caixão branco. Ela merecia correr pelo jardim com um vestido cor de rosa, deixando os cabelos voarem pelo ar. E deveria continuar comigo, poderíamos ser melhores amigas, confidente uma da outra. Contar fofocas, se apaixonar.
Droga! Heloísa não merecia a morte!
Eu sim mereço, me leve. Me leve direto para o inferno, para que eu possa arder até não poder mais sentir. Me deixe ter o mesmo destino que eles.
Gabriel, Martha, Rosa, Negra, BILLY, Túlio, Débora, Natalha, Felipe, Margarida, Gena, Júlio, Rodrigo, Barbara, Miguel, Alessandra, Pedro, Rudá, Guilherme, Amanda, Jeferson, são tantos. Eu nem ao menos posso lembrar de todos, não eu não lembro de quem mandei para debaixo da terra. O mundo perdeu a voz de Margarida, essa cidade perdeu a chance de ser conhecida como “A cidadezinha da voz de furação”. Tudo culpa minha! Exatamente minha.
Me leve embora logo!
- Se você morrer não será muito útil Vick, você não pode morrer entende garota! Isso está fora de cogitação.
- Hã?! Quem está ai?
- Esse é o mal de carregar o dom da morte, acaba não conhecendo que você mesmo mata. Mas não se preocupe, eu não tinha como ter outro destino irmãzinha.
- Heloísa? Como?

Capítulo 22
- Achei que você estava morta.
            - “Achei que você estava morta” – debochou Heloísa – Não posso morrer querida.
            Assim como Vick tinha nas mãos a decisão de morte ou vida, sua irmã também possuía um dom.
            - Olha odeio perguntas então vou contar logo antes dos “mas” e “porquês”.
            - Espera – disse Vick tentando entender a situação – Se você não pode morrer e está falando comigo... e sabe falar... eu também posso te ver?
            - Que droga, por que cabe a mim ter que contar a ela, fala sério! – Heloísa apareceu, pequena, branca como a irmã, mas de cabelos loiros esbranquiçados – Feliz agora?!
            - Não tanto, você é arrogante demais garota.
            - Quem liga?! Ninguém me conhece. Agora vou falar a história e não quero interrupções. – ela fez um breve silêncio e começou – Bom após você decretar a minha morte com o sabão de frutas vermelhas, e que cheirinho ruim. Passei três dias em transe, sabe eu estava em um lugar estranho frio e silencioso, não era o céu, e também não era o inferno. Era a minha casa. Os três dias fui espichando, e fiquei assim com o corpo de adolescente assustada e sozinha. Depois acordei e tinha muita comida ao meu redor, e um velho com uma barba enorme estava falando comigo, mas era uma linguagem que eu não conhecia e eu entedia, quer dizer eu não deveria entender nada eu nem cheguei a andar. Mas enfim, descobri que sou vida e você morte, então é hora de começar a lavar sua mão de boa vontade. Você nem deveria estar sendo torturada, você é idiota.
            - Sou mesmo, porque estou aqui escutando uma morta enquanto deveria estar tentando me soltar dessas cordas. Devo estar morrendo para estar pensando nisso, que minha irmã morta está conversando comigo, que ela é loira e da minha idade.
            - Por acaso você sabia que tinha uma irmã gêmea? E que ela simplesmente sumiu da barriga da nossa mãe? Mas que ela sou eu que não estava preparada para minha jornada. Só que acho que quem não estava preparada era você, você que deveria ter ficado presa esses dezessete anos. Poxa a idiota é ela e não eu!
            - Heloísa?
            - Sim senhor?
            - Já conversamos sobre isso. Você não estava preparada e pronto. Agora solte sua irmã e vamos logo.
            - Certo – disse ela com uma cara de desanimo.
            O senhor estava lá ao lado da porta e olhava para ela com calma e parecia saber de tudo.
            - Não posso – disse ela com medo recuando.
            - Não pode por quê? – perguntou ele.
            - Porque ela está tendo um caso, mais...
            - Mais alguém vai morrer, é melhor vocês saírem, ele vai chegar logo.
            Dias depois de algumas outras mortes, Jorge não saia de perto e se instalou na casa dela para ficar mais fácil de chegar e matar alguém. As dores foram ficando mais fortes e Vick se perguntava se seria mesmo possível sentir mais dor do que já sentia antes. Ela gritava, era difícil não fazê-lo.
            - Vick querida! – Jorge chamava, Heloísa e o velho se afastaram e sumiram – temos mais alguém é?! Dessa vez vou deixar você ler o nome, preciso que alguém sinta culpa, preciso ver algumas lágrimas, você andou matando muitos mendigos ultimamente, não é tão fácil encontrar a família deles então não me dá muitos lucros e não posso utilizar o meu dom de reconfortar os entes, nesse caso pode ser você, mas por favor não me conte que é .
            Ele soltou os braços delas e colocou a mão na frente dela para que ela pudesse ler, depois fez sinal de silêncio com o dedos indicador.
            - Não Jorge, espera, não pega o sabão... não
            - Eu disse que não quero saber – ele deu um tapa no rosto dela e selou os lábios com uma fica durex.



Capítulo 23

            - Eu disse para você esperar.
            - Você matou meu filho!
            - Eu disse para não lavar – Vick chorava... Ruan estava morto. Nada mudaria isso.
Jorge com o filho nos braços. Ninguém imaginaria que ele chegaria e veria Vick naquele estado, e o pior de tudo, que seu pai lhe acertaria uma faca no estomago. Certeiro.
            - Pensei que fosse um vizinho abelhudo, mas foi sua influência de morte que fez meu filho morrer – ele estava gritando e chorando.
Mas como diz o ditado “Olho por Olho; Dente por Dente!”. Jorge pensou que pudesse matar ela.
            - Com a mesma faca que você o matou...
            - Mas eu não o matei.
            - Você morrerá – ele continuou como se ela nem tivesse interrompido.
            - Mas o problemas senhor Jorge, é que Vick não vai morrer, mas você sim.
A ardência que Vick sentia era o nome de Jorge, em sua mão, ele iria morrer, Heloísa o mataria. Mas e Ruan? Ele não podia estar morto, ele não podia...
            - Heloísa!
            - Acabou Vick, acabou.
            - Não, o Ruan.
            - Fala sério Gutcha, vamos logo, ela precisa saber a verdade.
            - Mas e o corpo dele?
Heloísa não respondeu, ninguém responderia, eles já estavam viajando para outra dimensão. O lugar “lugar estranho frio e silencioso, não era o céu, e também não era o inferno” como havia dito Heloísa. Vick não sabia o que ela poderia aprender ali, ela só queria voltar a terra e abraçar Ruan, mas não seria fácil sair de um lugar desconhecido. A casa de Heloísa.

            - Acabou Vick, acabou.
            - Não, o Ruan.
            - Fala sério Gutcha, vamos logo, ela precisa saber a verdade.
            - Mas e o corpo dele?
Heloísa não respondeu, ninguém responderia, eles já estavam viajando para outra dimensão. O lugar “lugar estranho frio e silencioso, não era o céu, e também não era o inferno” como havia dito Heloísa. Vick não sabia o que ela poderia aprender ali, ela só queria voltar a terra e abraçar Ruan, mas não seria fácil sair de um lugar desconhecido. A casa de Heloísa.


Capitulo 24

            - Bem vinda essa e a minha casa.
            - Prefiro a minha – disse Vick com desdém.
Tudo que Vick queria era ir embora dali, mas ela se sentia em divida com a irmã. Heloisa lhe jogou um casaco fofo e quente, ela estava mesmo tremendo, o branco ofuscava qualquer outra cor do local, ela parecia que estava em cima de nuvens.
            - Incrível não é?! Eu amo minha casa, tão aconchegante! Quero que conheça a sala, te garanto que vai amar.
Ela puxou a irmã pelo braço, há quanto tempo não tinha alguém normal para conversar? Nunca teve. Uma irmã sempre foi seu sonho, e ela tinha e não podia ter.
            - Chega Isa ela não veio checar a sua decoração. Vick você precisa saber porque tem esse poder. Não tem nada a ver com a responsabilidade pela vida das pessoas. Você não tem a opção de salvá-las, isso esta nas mãos de sua irmã.
            - Então você esta me dizendo que eu tenho que mata-las? Simplesmente lavar todos que aparecerem na minha mão?
            - Sim, exatamente isso.
            - Mas isso... isso é desumano.
            - Por que acha que sente as dores? Essa é sua fragilidade, quanto mais tarde deixa-las ir, mais ira doer, e mais fraca ficara. Até porque a maioria das pessoas você nem conhece.
            - Não conheço, mas isso não significa que seja melhor que elas morram.
            - Equilíbrio Vick, este é o equilíbrio natural da vida.
            - Não isso não tem nada de equilíbrio. Me trouxeram aqui para isso?
Eles olharam para ela surpresos, para uma garota magra como ela que havia acabado de sair do cativeiro deveria estar bem mais solidaria, e aceitar todas as propostas necessárias.
            - Vick se não quer aceitar por bem, vamos ver como fará após esse choque.
Um telão se abriu, um metro passava sobre os ferros. Pessoas tristes, outras sorrindo, muitas dormindo, adolescentes cantando... Era o metro das 18h cheio de estudantes e trabalhadores indo para sua casa. Gutcha girou o mão, o metro parou, alongou o braço para trás, e o metro tombou para o lado, vários nomes surgiam e desapareciam na mão de Vick, ele começou a mover o braço devagar, o metro foi caindo  e caindo sobre o barranco em segundos estaria em cima de varias rochas pontiagudas e ninguém sairia vivo de lá.
            - Pare, deixe-as ir.
            - Entao lave agora.
            - Não deixa-as viver.
            - O trato não é esse querida – ele balançou rápido o braço e algumas pessoas saltaram pelas janelas. – Lave!
Ela não tinha escolha, lavou com o balde posto no chão, havia muitas pessoas. Muitas pessoas para morrer, ela chorava angustiada, quanto mais lavava, mais aparecia. Os gritos cessavam e voltavam, estavam todos apavorados. Após alguns minutos nenhum nome apareceu, mas Vick ainda podia ver uma garotinha lutando com um fio que estava quase se quebrando, sua queda seria silenciosa e mortal.
            - Falta apenas uma Vick, um, dois, três. E a garotinha caiu, adeus Bruna, vamos lave logo.
E ela o fez.
            - Certo estamos de acordo, já sabe do que sou capaz, um erro e você esta perdida. Isa vamos você tem muito a fazer.
Na mão dela também tinha vários nomes, eles brilhavam em um tom de azul outros em tom negro, ela utilizou uma escova de dente e limpou todos os negros de sua mão, os azuis iam sumindo aos poucos, no telão chegava o resgate.
            - Como?
            - Ying Yang, equilíbrio, se lembra? Você mata ela ressuscita. Você morte, ela vida entendeu. Agora você precisa voltar, para a sua casa o seu mundo.
            - Ela vira comigo?
            - Não aqui é a casa dela.
            - Isa, e o Ruan? Ele esta morto mesmo?
            - Não, ele era azul – ela sorriu e abraçou a irmã sorridente e chorando – Eu entendo sua dor, também amava alguém. Fique tranquila, qualquer dia nos veremos novamente.



Capitulo 25

            - O que esta acontecendo aqui?
Perguntou Vick após chegar da terrível estadia na casa de sua irmã. Nada parecia normal, quer dizer, se um redemoinho no céu com tudo que deveria estar na terra rodando for considerado estranho para você também.
Pessoas gritavam, algumas despencavam, uma queda lenta e demorada, claro o nome tinha que aparecer na mão dela para que tudo fosse considerado natural.
            - Gutcha! Eu disse que já entendi o seu recado. Pelo que há de mais sagrado, para de brincadeiras!
            - Serio Vick, você tinha que ver sua cara, tenho que te ensinar a ser menos seria.
De repente tudo voltou ao normal, e as pessoas pareciam não se lembrar de nada. Sim isso era natural!
            - Bela entrada Isa!
            - Achei que você gostaria de saber que hoje será um dia especial, vamos entrar?
Estavam na frente de casa, o gramado, a fachada, o jardim; como Vick não via a meses. A casa parecia estar no mesmo estado, mas com um brilho diferente, era felicidade.
            - Pai! – gritou ela correndo ao seu encontro.
            - Querida, como pude deixar você naquele estado?
            - Estou bem pai, estou bem.
Ele parecia mais novo, e sua mãe, parecia... sua mãe, aquela que não era psicopata e todo o resto.
            - Vick, me perdoa, que bom que ele não te fez nada. – ela se sentia culpada por Jorge, e não seria possível retirar essa culpa, mas esquecer do incidente seria a melhor forma.
            - Eu te amo mãe.
            - Alguém aceita um suco?
            - Ruan?! – ela correu, derramando a jarra de suco e ele a abraçou com força – Esta bem mesmo?
            - Estou sim graças a você.
Não, graças a Isa.
            - Quem é sua amiga querida?
Sim ela estava lá, e eles podiam vê-la. Isa chorava, foram anos sem os verdadeiros pais, morando em um lugar desconhecido. Elas trocaram olhares, os de Isa implorando, os de Vick concedendo. Logo depois Estela e Heitor sentiram que ali na frente deles estava à pequena e antes morta Heloisa.

Seria maldade colocar um fim trágico para um historia já trágica. Afinal quem não se encanta quando a paz toma o seu lugar, uma família se reúne, um casalzinho apaixonado finalmente consegue ficar junto e duas irmãs poderosas podem finalmente agir como amigas aceitando o fato de que uma vida normal será difícil de encontrar... até que as filhas delas possam vir ao mundo e receber o dom que lhes esta destinado, até lá, morte e vida continuam agindo, equilibrando as coisas como deve ser. 

Fim!




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